segunda-feira, agosto 21, 2006

Aos Amigos de Herberto Hélder

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Herberto Hélder

para ler uma crítica completa à obra de Herberto Helder, elaborada por Maria Estela Guedes, no seu livro on-line:"Herberto Helder Poeta Obscuro" vá a Herberto Helder Poeta Obscuro
.
Excerto desse mesmo livro:

"Herberto Helder é dos poetas mais fascinantes que me foi dado ler, e aquele cujo poder encantatório mais me deslumbrou. Este livro representa o tributo que ao fim da estrada o viajante paga por a ter percorrido, sendo também o resultado de quatro anos de convivência assídua com a obra herbertiana.


De modo geral direi fazer-se aqui o levantamento de bastantes motivos, alguns suficientemente importantes para lhes chamar temas (o corpo, o poema, o espelho, a voz, a árvore, a crlança, a casa, a pedra, a mãe, a cabeça e muitos outros) , e daquilo que consideraria os temas centrais da obra (a vida, a morte, o erotismo, a poesia, o conhecimento, a visão mágica do mundo), razões que porventura determinam a actuação encantatória dos poemas na imaginação e sensibilidade do leitor. Tais levantamentos surgem tentacularmente dirigidos à generalidade da obra, no sentido de lhe apreender o funcionamento de base e o sentido mais fundo."

sexta-feira, agosto 18, 2006

depressão


às vezes
a chuva cai na calçada
e o coração está sentado
na soleira da porta.
um velho triste
chora dentro de casa
e tenta escrever estórias
nas palmas das mãos.
as janelas fecham as pálpebras
e o mundo lá fora
é algo que se espreita
muito, mas muito levemente.

(a todos os que por uma passaram, estão a passar e áqueles que por uma vão passar a todos força e creiam em Deus que é a força que nos arranca das tristezas, com ele todos os problemas ,sim, porque eles nunca deixam de existir quer se creia em Deus, muito ou pouco, são encarados com um sorriso. E essa é a diferença máxima entre ter Deus perto de nós e não ter. Ele faz-nos sorrir. A mim faz, isso asseguro.)

terça-feira, agosto 15, 2006

o poeta.o sonho.os amantes

o poeta. o sonho.os amantes

o poeta é o construtor ardiloso do sonho
artesão secular do seu cimento virgem imaculado.
as suas paredes crescem como línguas de tempestade
dentro dos ouvidos do pensamento.
as têmporas revivem as folhas e os frutos da primavera
quando entre estas,
estradas de esperança
desbravam memórias antigas:
lâminas cortantes de horizontes celestiais
separadoras de primitivos amantes:
o pensamento e o sonho.

a vida. o poema. o sonho.

uma borboleta carrega no dorso o sonho-um candelabro alado -
a lua já não reveste as faces vivas das antigas crianças virgens
crianças escondidas estupidamente dentro de corpos crescidos,
sujos de lama
deturpados pelo cinzel e os braços do mundo.
estranhas estátuas de calcário
roídas como maçãs pela erosão de um poema
situado no interior de um chão raso.
depois
____________uma trincha de cal na memória
e o sorriso de quem desbrava florestas virgens.
o mundo mais jovem.

um barco. a tempestade. o sonho.

o medo e o seus dentes de marfim surgidos da noite,
tempestade que abana o barco
onde descansa o Deus sereno do mundo
e os seus apóstolos dentro de um livro.
vai no barco o sonho
e o Deus com a língua acesa.
vai a suave asa de Deus sobre as cabeças amedrontadas
pela tempestade.
e Ele dorme descansado na proa
com todo o mundo no regaço
e as raízes do sonho plantadas entre os seus cabelos.

o amor.a cidade.o sonho

amor:o sal líquido das artérias do corpo-uma cidade-
combustível luminescente dos veículos que a percorrem.
e há na estrutura da pele desta cidade um tijolo-amor
despossesso de cartas ou juras dele próprio,
despossesso do estranho nervoso do sexo dentro das calças.
" ah e quando me pedes o meu ombro amor"
a cidade transforma-se em rio
para levar para longe as lágrimas
que te molham o teu rosto de areia à beira-mar.
sorrimos então um para o outro como dois candeeiros nas trevas
e avistamos o sonho sem memórias-lãmina ali tão perto.

segunda-feira, agosto 14, 2006

vidência

no vaso deste olho onde enraíza a aurora das coisas,
(das minhas coisas)
há uma semente de sol bem antes das pétalas abertas das manhãs
há também um espelho feérico
de onde os homens saem puros,
livres das anémonas envenenadas
que durante séculos fizeram das arcadas oculares
os seus lares de alterne.

quinta-feira, agosto 10, 2006

Do livro segundo da noite escura, de São João da Cruz 2

A alma que Deus leva adiante é uma pulsação
Frágil. Uma sombra cá fora incandescente do cárcere
O discurso, mesmo o interior, é um mecanismo
Engolido pelo amoroso gole. Faltam
Os mensageiros duráveis – não é uma falha
Da noite intensamente tecida. Na malha negra vê-se
Como nos limites raia
A perfeição – uma agulha
Uma mancha fresca retesada entre a raiz absoluta e o mais alto
Apagamento. A porta
É um batente no princípio. Nem todos entram
Da mesma forma. Sim
Que sabemos das aparências?

É necessário cobrir os olhos incuráveis – o manto
Abre-se à lixívia – uma estrela imensa. A união
É desposarmo-nos brancos
Sem palavras

Quando eu era uma criança de muletas
Estudei o alicerce de coisas paradas
Observei as coisas que se moviam
No olhar estático das coisas que meditam. Era cirúrgico
Como o homem que opera nas pupilas as artérias do seu próprio coração.
Estudei um peregrino e outro e outro. Estavam parados
Contemplavam os passos percorridos
No perímetro da meditação.
Anotei que os alicerces do movimento são líquidos
Constantes.
Primeiro líquido: a água, nas coisas altas as nuvens
E penso também nos rios. Segundo líquido: a saliva
Que curou os cegos. Terceiro líquido: o ar porque me lembro
Do relâmpago, da velocidade das coisas que caem. O sétimo líquido:
O sangue do cordeiro.

Quando eu era uma criança parada
Quando não andava numa cadeira de rodas a empurrar o corpo com as mãos
Estudei o movimento dos líquidos
Segui o derrame da semente ao morrer

Caminhasse eu porém e seguiria
O fio de água no olhar de quem amei.

Quando nadei profundamente na morte
Trouxe a mão ao cimo – era a superfície
O arbusto húmido a respirar fora das águas
A embarcação da infância
A neblina escavada ao redor da ilha desigual. Na vegetação

Que rodeia o homem solitário. Entrei profundamente
Trouxe a mão à tona da morte – o reflexo
Do remo movido sobre a agulha da bússola
O peixe que espera sobre todas as águas

Quando aquática a flor no tronco escavava
A minha última jangada nas correntes

Sento-me entre os que cantam em círculos
E decoro a melodia improvisada
E embora cante ao longo do caminho
Fico sozinho ao chegar a casa

Mesmo quando estou sentado em casa
Canto mas não sei onde vivo

Sei as margens onde as crianças cortam os juncos
Sei que a música pode salvar um homem que se afoga sem nada
Taparei rio entanto os ouvidos para descer humanamente ao fundo

Mesmo que aí a voz me seja o oxigénio necessário
Mergulharei voluntariamente na quietude ou na infância
De estar em silêncio

Quero aprender nas águas uma energia para escutar
Um instrumento sonoro, fecundo. A nervura
Da onda dobrando-se numa e .noutra e noutra
Vinda
A concha acústica do búzio que ritma a embarcação Sanguínea.
A navegação de quem avista
Uma praça fora do mundo

Sabes, leitor, que estamos ambos na mesma página
E aproveito o facto de teres chegado agora
Para te explicar como vejo o crescer de uma magnólia.
A magnólia cresce na terra que pisas – podes pensar
Que te digo alguma coisa não necessária, mas podia ter-te dito, acredita,
Que a magnólia te cresce como um livro entre as mãos. Ou melhor,
Que a magnólia – e essa é a verdade – cresce sempre
Apesar de nós.
Esta raiz para a palavra que ela lançou no poema
Pode bem significar que no ramo que ficar desse lado
A flor que se abrir é já um pouco de ti. E a flor que te estendo,
Mesmo que a recuses
Nunca a poderei conhecer, nem jamais, por muito que a ame,
A colherei.

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão

de Daniel Faria


mais informações em Daniel Faria

as crianças


na criança pode-se ainda as penas
num abraço e ver as asas nos olhos,
sobrevoando as montanhas do sonho
com a sua erva fresca.

é-lhes muito fácil criarem raízes
de pássaros entre a língua e os dentes
e levar (como quem beija) a primavera

aos ouvidos dos homens adultos.

vem a mim a pequenez de nós,
o retrato fiel dos risos dos lírios brancos
vem a mim as palmas das mãos em concha
e lá dentro o silêncio de todas as portas fechadas
"Venham a mim as crianças,
pois delas serão o reino dos céus"

a luz infinita

a luz remendou-me os ossos
em silêncio.

quinta-feira, agosto 03, 2006

a métrica da vida

as montanhas salivam
as últimas
gotas de sol
e depois do suor me vir lavar
fito as pegadas da minha cabeça
entre as várias cegonhas
que povoam o infinito azul
e penso:
como é longa a métrica do meu suspiro.

sexta-feira, julho 28, 2006

just a simple thought 5

as ruas passeiam pelas pessoas
e nos olhos as vitrines explicitas de um "amor" vagabundo
e empedernido:
sacos cheios de pequenas bolas de sabão
produzidas durante a tepidez de um sono perturbador.

e ao outro dia
puff, puff, puff.

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  • Vivo em Aveiro, Portugal
  • busco com perseverança e serenidade a perfeição aos olhos da luz que me embala.
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