sexta-feira, julho 28, 2006

just a simple thought 5

as ruas passeiam pelas pessoas
e nos olhos as vitrines explicitas de um "amor" vagabundo
e empedernido:
sacos cheios de pequenas bolas de sabão
produzidas durante a tepidez de um sono perturbador.

e ao outro dia
puff, puff, puff.

quarta-feira, julho 19, 2006

a mulher

as curvas descem-lhes pelos olhos
como rios perdidos na saudade do leito.
olhos ora brilhantes, ora sombreados
passeiam pelo próprio pé o horizonte
por eles vestido a cor-de-rosa.
num sopro: o vento ténue
que sobre o peito de um homem
dá formas ao seu deserto
e o coração move-se sobre duas andas,
repito:
sobre duas andas.
dois braços leves como plumas esvoaçantes e delicadas.
dois pássaros que nascem das suas raízes
no interior de um corpo
de uma mulher.

quarta-feira, julho 12, 2006

balada

Como as pedras que nascem das flores
assim como veias jugulares
que produzem um poema
que se ergue "da confusão da carne"
assim nasce o poeta-homem
artesão secular da palavra
pintada pelo tempo,
amassada como o barro ferrugento.
Mas os punhos que ele usa
são os punhos da vida,
que quando aprendiz, nos olha
como luas assarampatadas
nos berços dos nascituros
na idade da inocência.

E quando cresce, a vida
transforma-se num outono eterno
e sábio, sentada em memórias de sangue,
mas também de lírios
e crianças ouvem à lareira
palavras castanhas, cinzentas e azuis,
ouvem com ouvidos de ouvir
as palavras-lâmina que rasgam qualquer
surdez da alma, qualquer nada interior.

memórias

há ruas que não se esquecem
são memórias antigas
línguas esplêndidas estendidas
a afagar a orla do pensamento,ensinamentos
velhos dos avós que recordo
com mítico prazer.
não me esqueço da salinidade
das águas, ou da intensa tangibilidade do céu
no pensamento, mas o sabor do outono
saindo dos cabelos brancos
é mais forte que o pão
e que o leite que fecunda o Mundo.

sem título

Cala-me os dedos num silêncio profundo
em que beijo o sangue
a bater contra as unhas, como ondas suaves
numa praia de areia vermelha.

Nas pontas do corpo o sangue arde
com a vida, que não para de correr no corpo
e somos

sós

eu e a vida
assim como amantes
dançando a suave melodia
que sai da harpa acesa na boca de Deus.

Epopeia

Pouco ou nada há para dizer, a não ser que o silêncio-lãmina
corta a memória em mil bocados e espalha-a nas
ruas que acompanham a orla do pensamento permanente
de uma cadeira que é o meu corpo.Tudo é tão simples
para um assassino de mortos. Na alvorada das flores
há um tempo que não esquece o seu espaço, não esquece
que há pedras ardentes dentro das tardes cinzentas de outono,
não esquece por exemplo que o mar gorgoleja o fel
e expulsa os diabos do seu corpo azul. Não esquece
que há um tempo em que todas as facas cortam as pontas
para alcançar o dia dentro do teu corpo. Não me façam acreditar
nos rasgos dos campos onde crescem luas de prata, não me digam
que lá fermenta a juventude dos dias, a eternidade de um sorriso.
Não me digam, ainda, por exemplo, que o chão se abriu para que nele
entrem primaveras e assim cresçam raizes minúsculas de sois nos campos
dourados do oeste.Mentiras. há raizes minúsculas de sois a nascer,
mas no homemque carrega a sua cruz contra o leito dos rios.
No homem de lingua acesa contra a água de palavras obtusas.
Chegará um dia em que o homem se levantará contra o tempo
e vencerá , perecendo com o mundo lavrado nas suas pupilas.

poema do adeus

já estou de partida

aborrece-me este regresso ao passado
este barulho das acácias nas mãos,
este não sei o quê a silêncios interiores,
com cheiro a flores de incêndio,
irrompendo do solo fértil da alma.

Dentro de casa já não há mais histórias para contar,
toda a tristeza do mundo numa pétala aberta pelo sangue,
pela dor de um peito aberto sobre a mesa,
pelo esquecimento. Esqueci-me.

já estou de partida.

auto-retrato

não sei se as janelas se abrem para as ruas cinzentas
ou se as folhas que por elas deambulam anunciam o outono
não sei.
o verão está a chegar e nos olhos a certeza mais que certa
de um novo rumo
todos os dias um novo rumo.
mais que ditados escritos nas mãos,
ou a mórbida cantilena dos corvos
que choram dentro dos ouvidos
a sua pedra de mármore ao sol.

para mim tudo é claro
como a vontade, que é branca e táctilmente rugosa
aos meus dedos-não, não escaparás-
para mim, tudo é livre
e todas as pessoas tem cabeça de lírio branco
e a cidade é um jarro no regaço de Deus.
eu sei. sou um tolo.um feliz tolo.
o meu nome é tolo,
mas que não acredita que aquilo que nasce são
morra putrefacto.
e por isso respiro a leve tangência do ser.

o sonho

eu sonhei com a luz que me enxugava os olhos
sonhei com as praias abertas da minha face
onde o sol aquecia as tardes caídas de joelhos

eu sonhei com a intermitência do gesto
sonhei com as ruas abertas da cidade, lavradas
como queijos, roidos pela lucidez das manhãs.

eu sonhei que as avenidas dessa cidade
eram vias rápidas de luz transbordante
pelas faces dos transeuntes

eu sonhei que a água límpida avançava sobre o corpo
sonhei que o espirito era um vale estreito
por onde as aves passam em dirrecção ao céu

eu sonhei, eu sonhei, eu sonhei, eu sei lá...

titless

esta necessidade de estender
os dedos na luz é premente como
a vontade de fazer crescer as
manhãs como árvores ou pedestais
vivos sobre as cabeceiras.

e pergunto-me: porque escrevo?
senão para me envolver, nem que seja
por hiatos de tempo intermitentes num
halo de luz importado de Paris.

sim, porque escrevo? se no fim
quase tudo sobra de mim, como aquelas
palavras-quadros coladas numa qualquer
parede-cinza, face a face com a vereda
mais movimentada da memória.

e se não fosse as manhãs nas cabeceiras
o que haveria de mim para contar
senão uma estória monocórdica,
encontrada algures entre a neblina
da noite levantada, hirsuta.

como diria o velho deitado nas folhas do outono
-são coisas, coisas.

os pássaros

I
os pássaros são palavras vivas
nos ramos da língua
a língua escreve os pássaros nas mãos
e as mãos (qual matéria virgem pendurada no vento)
ganham asas, arrastam consigo
os pensamentos embrulhados no espírito
levam tudo em seu regaço

II
os passáros sacodem o orvalho
das manhãs descalças,
peregrinas de Deus,
fazem-nas brilhar como se mil mulheres
lhes parissem no ventre
cuidam para que os pássaros voem nas
cabeceiras dos homens
e nidifiquem nos seus ouvidos

III
os pássaros são palavras vivas
por vezes caídas-mortas furtivamente
no chão florestal de uma memória antiga
mas os pássaros
nascem nos ramos da língua
e a língua ainda que só
nunca cai de joelhos rendida.

ontem

aquela loucura dum grito de incêndio,
perfez-me o corpo ajoelhado sobre o espírito
e houve um pensamento a cheirar o soalho da morte
a chocar contra a memória das tardes ajoelhadas d’outono.

sei que ainda antes me vinha os ossos como
estrutura piramidal constituinte da memória
hoje é só um fotograma lí-qui-do bebido
como um antítodo secular contra a insensatez.

escrita automática

é possível lançar às tardes o leite das urtigas
é possível.
tal como é possível reinventar o mundo a partir
de uma pedra sentada ou de um horóscopo louco
sem penas ou céu para voar.

dizia eu, que as loucuras de um tecto de céu, são
para recordar na memória, são também,
para lançar uma sebe de uma mente sábia
no orvalho da manhã, mesmo quando tudo morre à tua volta, ou mesmo quando tudo é a eterna ferocidade de um grito sem rasto.

mas que me resta senão um grito,
para esvaziar a essência de uma sombra feroz
aparelhada com os seus dentes seculares?
que me resta senão um grito para preencher o vazio?
mesmo sabendo que tudo o que aqui está gritado
é produto de um automatismo automático.

as mulheres

as mulheres são o espírito das manhãs

com as suas fieis mãos de porcelana alva
elevam os homens até ao centésimo andar do sonho
ali naquele lugar onde as nuvens
são secretas vizinhas de Deus

e as mulheres escrevem as flores nas mãos dos homens
centelham-lhes os olhos com o interior dos dias
que delas fazem parte

as mulheres são pedras raras, antigas
guardiãs do sol que dentro delas habita.

as mulheres
são
a vigia das reclusas noites sentadas

sonhador ou poeta

preferia que a minha casa fosse um avião azul
estacionada sobre o parapeito do sonho
e lá viveria eu
(como vivo agora)
com a sensação não muito distante da (feliz) realidade:
estou vivo, porque acredito.

e acredito que posso mudar o mundo
mais facilmente do que o mundo me pode mudar a mim.
acredito na generosidade de um gesto simples, mas eficaz.

não acredito na inércia que prende os corpos à rugosidade
das certeza mórbidas, às noites de boca aberta,
lambendo os beiços.

-levanta-te e anda
mesmo que naquele dia(hoje) a saliva da vida
te tenha mastigado tão facilmente como um prego.

-caís-te? torna-te a levantar
mesmo que o chão tenha vozes psicadélicas
e mãos que brotam da terra como raízes
rugosas que se põem sobre os teus ombros

acredito que talvez ninguém acredite
mas eu acredito
até que a alma se vá, para longe,
bem longe,ao som de uma mel-odia calma.

o autor morre no instante da criação
e há no verso uma inspiração divina
uma curva assimptótica e ascendente de amor
como quem penetra na luz silenciosa
depois duma autópsia escrita
pelo próprio punho do suícida.

depois .
depois.
o autor ressuscita na voz da ave que grita
a nova vida que nele tem.

sobre as palavras

as manhãs cobriram-se de dedos
são encharcadas pelo estranho ruído
de uma letra que nasce nas suas pontas
assim como estando de frente para frente
com um papel alucinogénico-digital

o escritor transcreve a exacta curva do seu espírito
e com a cabeça sentada sobre este, mergulha
cada vez mais profundamente na palavra e na sua essência de magnólia.
o escritor degladeia-se com a palavra. luta com esta tão intensamente
que de frente para o espelho, vê uma faca a talhar o sangue e a carne,
escolhendo e arrancando as palavras soterradas no corpo
pois o escritor já não tem pele
não precisa de pele,
o escritor veste-se de palavras, como um vício
ou uma extensão do corpo, ou da alma.
irrita-se por não encontrar a palavra certa
e num gesto brusco
atira as outras para o chão.
-malditas, eu hei-de vencer.
e o escritor vai caindo e levantando-se
vencendo e perdendo
até alcançar o

Fim.

just a simple thought 0

e estou para aqui sentado nesta cadeira
com um pássaro entre os dedos do pensamento
a cantar as luminosidades das pequenas coisas.

o mundo num esfregar de olho

dizia ele:
não me é permitido estar aqui sem que me atreva
a cortar os pulsos às sombras que se entranham
na carne da humanidade.
se a minha alma é uma lâmina
revolver-me-ei, mesmo que num túmulo de cerejas,
e deixarei o leite fino ordenhado
no seio de Deus comer-me os ácaros
entranhados no silêncio da minha boca.
resitirei e
serei morto ainda em vida
e não morto quando a morte é uma criança
que baloiça dentro da minha carne fétida.

porque será que os ouvidos ouvem e calam?
porque será?

just a simple thought 1

estarei aqui
nas páginas de um livro aberto no índice
e serei lido com uma tesoura semi-cerrada nos dentes.

neste tempo de luta

neste tempo tenho na retina do óculo mental :
a imagem de Deus,
deitado no chão,
cuspido, humilhado, apedrejado,
aos pés dos que se riam com a sua dor
enquanto o suor vermelho da redenção
lhe escorria pela face.
bem dito Sejas.

15 minutos

estou parado,
até as pedras são ardentes dentro deste corpo silencioso
quero estar aqui a apreciar a subtil presença da morte da morte,
o início calmo dos jornais a chegar à soleira das portas
que adornam as avenidas deste corpo calado pela manhã
que não tarda em nascer em cada poro.

como é bom esta paz plantada
nos campos do peito.
esta luz também ela silenciosa.

just a simple thought 4

Ah
prefiro morrer neste instante,
entre a saliva das palavras,
do que assistir entre os arbustos da veia jugular
que delimitam a passagem erecta dos poemas,
à estranha morte do vocábulo.

o meu coração é uma rua cheia de somáforos

eu queria escrever a ardente nascença das palavras
que como espigas de trigo plantadas
rebentam de têmpora a têmpora na cabeça do poeta.

queria mover a palavra
para o centro restrito do corpo
onde a carne é uma papa
indissociável com o poema.


sei que a palavra está algures no percurso
das artérias do meu corpo
e anda de glóbulo em glóbulo
como um cubo mágico
que saltita entre a multidão.

tento que siga por esta cidade de ossos e carne
e atinja o pensamento-lírio
antes mesmo de Eva comer a maçã.


eu queria abrir as pernas à palavra,
penetrá-la tão intensamente
até dois se tornarem um
a palavra e eu
e eu e a palavra.

eupalavra

mas não consigo

o meu coração é uma rua cheia de somáforos.

o monólogo da seda

I
a minha vida tem momentos de ser
um sangue sufocado em volta do pescoço
um coágulo consanguíneo com o sangue
das cabeças ajoelhadas.

II
e há vozes, ou pedras de granito a magoarem-me
os ouvidos com o anúncio da derrota
há cânticos, melodias do chão a aumentar
a força da gravidade sobre os meus ombros

III
os tendões recuam com o inverno nos olhos
das sombras que se movem na orla de um grito
vergam-se, com a peculiar sensação de morder
a morte e a sua língua de medo

IV

mas há uma verticalidade do espírito
que se move intacta dentro do corpo
há uma casa de paredes lúcidas bem
no centro da humanidade

V
como um grito vertical lançado
nas paredes do meu corpo(dessa casa)
espalho a súbtil sensação da noite que se estende
para fora dos bosques seráficos,
então abertos na soleira da minha íris
e venço ou vou vencendo qualquer
pedra de granito que se atire
às manhãs que crescem como árvores
nas entradas dos meus ouvidos .

About me

  • Nome elsefire
  • Vivo em Aveiro, Portugal
  • busco com perseverança e serenidade a perfeição aos olhos da luz que me embala.
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